A bela e o burro
Ontem depois que você foi embora confesso que fiquei triste como sempre.
Mas, pela primeira vez, triste por você. Fico me perguntando que outra
mulher ouviria os maiores absurdos como eu, e, ainda assim, não deixaria de
olhar pra você e ver um homem maravilhoso.
Que outra mulher te veria além da sua casca? Você não entende que está
perdendo o paladar para o que a vida tem de verdadeiro e bom. É tanta comida
estragada, plastificada e sem sal, que você está perdendo o paladar para
mulheres como eu. E você não sabe como vale a pena gostar de alguém e acordar
ao lado dessa pessoa, ouvindo ela respirar quietinha enquanto dorme, linda. E
quando você dorme quietinho assim, eu sei que, apesar de eu não abalar sua vida
em nada, você precisa de mim.
Você não sabe como isso é infinitamente melhor do que acordar com essa
ressaca de coisas erradas e vazias. Ou sozinho e desesperado pra que algum
amigo reafirme que o seu dia valerá a pena. Ou com alguma garotinha boba que
vai namorar sua casca. A casca que você também odeia e usa justamente para
testar as pessoas “quem gostar de mim não serve pra mim”.
E eu tenho vontade de segurar seu rosto e ordenar que você seja esperto
e jamais me perca e seja feliz. E entenda que temos tudo o que duas pessoas
precisam para ser feliz. A gente dá muitas risadas juntos. A gente admira o
outro desde o dedinho do pé até onde cada um chegou sozinho. A gente acha que o
mundo está maluco e sonha com sonos jamais despertados antes do meio-dia. A
gente tem certeza de que nenhum perfume do mundo é melhor do que a nuca do
outro no final do dia. A gente se reconheceu de longa data quando se viu pela
primeira vez na vida.
E você me olha com essa carinha banal de “me espera só mais um
pouquinho”. Querendo me congelar enquanto você confere pela centésima vez se
não tem mesmo nenhuma mulher melhor do que eu. E sempre volta. Volta porque
pode até ter uma coxa mais dura. Pode até ter uma conta bancária mais recheada.
Pode até ter alguma descolada que te deixe instigado. Mas não tem nenhuma
melhor do que eu. Não tem.
Porque, quando você está com medo da vida, é na minha mania de rir de
tudo que você encontra forças. E, quando você está rindo de tudo, é na minha
neurose que encontra um pouco de chão. E, quando precisa se sentir especial e
amado, é pra mim que você liga. E, quando está longe de casa gosta de ouvir
minha voz pra se sentir perto de você. E, quando pensa em alguém em algum
momento de solidão, seja para chorar ou para ter algum pensamento mais safado,
é em mim que você pensa. Eu sei de tudo. E eu passei os últimos anos escrevendo
sobre como você era especial e como eu te amava e isso e aquilo. Mas chega
disso.
Caiu finalmente a minha ficha do quanto você é, tão e somente, um cara
burro. E do quanto você jamais vai encontrar uma mulher que nem eu nesses
lugares deprê em que procura. E do quanto a sua felicidade sem mim deve ser
pouca pra você viver reafirmando o quanto é feliz sem mim e principalmente
viver reafirmando isso pra mim. Sabe o quê? Eu vou para a cama todo dia com 5
livros e uma saudade imensa de você. Ao invés de estar por aí caçando qualquer
mala na rua pra te esquecer ou para me esquecer. Porque eu me banco sozinha e
eu me banco com um coração. E não me sinto fraca ou boba ou perdendo meu tempo
por causa disso. E eu malho todo dia igual a essas suas amiguinhas de quem você
tanto gosta, mas tenho algo que certamente você não encontra nelas: assunto.
Bastante assunto. Eu não faço desfile de moda todos os segundos do meu
dia porque me acho bonita sem precisar de chapinha, salto alto e peito de
pomba.
Eu tenho pena das mulheres que correm o tempo todo atrás de se tornarem
a melhor fruta de uma feira. Pra depois serem apalpadas e terem seus bagaços
cuspidos. Também sou convidada para essas festinhas com gente “wanna be”
que você adora. Mas eu já sou alguém e não preciso mais querer ser. E eu,
finalmente, deixei de ter pena de mim por estar sem você e passei a ter pena de
você por estar sem mim. Coitado.
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